
Gomm Advogados
O necessário respeito às garantias legais na elaboração do plano de Recuperação Judicial
O instituto da Recuperação Judicial foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei Federal nº 11.101/05 (“LRJF”), tendo como um de seus principais objetivos a quebra de paradigma da extinta lei de Concordata e Falência que, por sua vez, possuía como característica, no âmbito da concordata, a concessão de uma “moratória” para pagamento dos créditos quirografários que, na maioria das vezes, acabava por ensejar a convolação em falência.
A quebra de paradigma decorre do fato de a LRJF ter como princípio basilar o princípio da preservação da empresa. Contudo, tal princípio não é soberano, tendo a LRJF se preocupado em criar mecanismos de equilíbrio entre a preservação da atividade empresarial, assim como, dos interesses dos credores. No ano de 2020, após quinze anos de vigência, a LRJF sofreu substancial atualização por meio da Lei Federal nº 14.112/2020, justamente visando preservar e aperfeiçoar a necessidade de equilíbrio na relação processual entre a empresa insolvente e seus credores.
Um dos principais instrumentos de preservação do equilíbrio entre devedor e credor na LRJF é o seu Art. 49, no qual estão elencadas hipóteses de preservação de direitos dos credores em face de créditos extraconcursais, garantias fiduciárias, garantias fidejussórias e pessoais, dentre outras:
Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
§ 1º Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso. § 2º As obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial. § 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial. § 4º Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei. § 5º Tratando-se de crédito garantido por penhor sobre títulos de crédito, direitos creditórios, aplicações financeiras ou valores mobiliários, poderão ser substituídas ou renovadas as garantias liquidadas ou vencidas durante a recuperação judicial e, enquanto não renovadas ou substituídas, o valor eventualmente recebido em pagamento das garantias permanecerá em conta vinculada durante o período de suspensão de que trata o § 4º do art. 6º desta Lei. § 6º Nas hipóteses de que tratam os §§ 2º e 3º do art. 48 desta Lei, somente estarão sujeitos à recuperação judicial os créditos que decorram exclusivamente da atividade rural e estejam discriminados nos documentos a que se referem os citados parágrafos, ainda que não vencidos. § 7º Não se sujeitarão aos efeitos da recuperação judicial os recursos controlados e abrangidos nos termos dos arts. 14 e 21 da Lei nº 4.829, de 5 de novembro de 1965. § 8º Estarão sujeitos à recuperação judicial os recursos de que trata o § 7º deste artigo que não tenham sido objeto de renegociação entre o devedor e a instituição financeira antes do pedido de recuperação judicial, na forma de ato do Poder Executivo. § 9º Não se enquadrará nos créditos referidos no caput deste artigo aquele relativo à dívida constituída nos 3 (três) últimos anos anteriores ao pedido de recuperação judicial, que tenha sido contraída com a finalidade de aquisição de propriedades rurais, bem como as respectivas garantias.
Inobstante o instituto da Recuperação Judicial possuir uma finalidade precípua de preservação da atividade empresária, infelizmente, por vezes é utilizado pelos devedores não para atingimento da finalidade da norma (preservação da empresa), mas, sim, para se esquivarem de suas obrigações perante seus credores. Dentre essas hipóteses, verifica-se a tentativa da empresa recuperanda suprimir garantias legais, com a apresentação de planos de recuperação judicial com previsão expressa de exclusão das garantias (como, por exemplo, a novação por meio da aprovação do plano de recuperação judicial com a exclusão de todas as garantias originárias e não sujeitas aos efeitos da recuperação judicial).
Nesse sentido, em recente decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, restou reconhecida e ratificada a necessidade de anuência do titular de garantia real (em sentido lato) ao plano de recuperação judicial que prevê supressão ou substituição de tais garantias, ainda que tal plano de recuperação judicial tenha sido aprovado por maioria, nos termos da LRJF. Ou seja, ainda que haja aprovação do plano de recuperação judicial, na hipótese de os credores detentores de garantia se insurgirem quanto tal plano por meio do voto contrário, entende o Superior Tribunal de Justiça que tal supressão não é oponível ao referido credor. Tal entendimento, a nosso ver, caminha conjuntamente com a finalidade teleológica da LRJF, de instituir mecanismos de equilíbrio e preservação de direitos que, infelizmente, não estavam sendo observados pelos devedores em recuperação judicial.
Paschoal Pucci Neto (OAB/PR nº 61.913) é o sócio responsável pela área de Reestruturação Empresarial do Gomm Advogados Associados